Dia 3 – Vivar del Cid

Publicado por Ronald Costa em

No terceiro dia de viagem, demos início, propriamente, ao Caminho do Cid. Sua etapa inicial, denominada O Desterro, começa em Vivar del Cid (239 habitantes, INE 2024).

O cantar tem início – assim como o Caminho do Cid – com a pena de Desterro que o rei Afonso VI, o Bravo (1030-1109), aplica a Rodrigo Díaz, que deveria deixar o reino em até nove dias. E saindo de Vivar…

Só dos olhos, tão fortemente chorando,

volvia a cabeça e estava tudo olhando;

viu portas abertas e postigos sem cadeados, 

alcândoras vazias, sem peliças e sem trajos

e sem falcões e sem carcarás treinados.

Suspirou o meu Cid, ao achar-se assaz preocupado;

falou o meu Cid, tão bem e tão moderado: – Glória a vós, Senhor altíssimo!

A isto me reduziram meus perversos inimigos! (vv. 1-9)

Pensávamos em passar rapidamente por Vivar, aproveitar a manhã em Burgos e hoje mesmo seguir viagem até a próxima etapa. Mas mesmo os mais desiludidos se surpreenderiam com tanto encanto e tão amável recepção.

Ao chegar, paramos no lindo monumento daquele que “… en buen ora naçió” (v. 3132) e seguimos rumo ao moinho do Cid.

Ali, na légua 0 fomos recebidos pelo amável Don Javier Alonso, proprietário do lugar há pelo menos três gerações. Javier nos mostrou muitas relíquias do lugar, nos contou curiosidades e nos propôs fotografias muito divertidas.

Tive a oportunidade de segurar a réplica exata de Tizona, a espada do Cid. Passei pelo rito iniciático de investidura da cavalaria e pude ainda provar meu valor frente a Don Javier.

Com Don Javier também conseguimos os primeiros carimbos de nosso salvo-conduto e o exclusivo carimbo “Legua 0”, que deve figurar na mão do próprio Campeador.

O tanto estudar esta magnífica obra, quando seus versos já irrompem no ouvido interno, carrega esta experiência de muita emoção. Seguimos para Burgos com um atraso de um dia no itinerário original, mas gratos, com a percepção plena de alguns aspectos do cantar e da história desta longa tradição castelhana.

Ao saírem de Vivar, ouviram a gralha à direita;

chegando em Burgos, ouviram-na à sua esquerda (vv. 11-12)


Ronald Costa

Doutor em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Londrina (2019) com período sanduíche na Universitat Autònoma de Barcelona. É líder do Grupo de Pesquisa Épica Românica Medieval: Tradução e Performance e membro do GT de Literatura Oral e Popular e do GT de Estudos da Tradução da Anpoll, e da Seção nacional EUA-Canadá da Société Rencesvals, na qual atua como revisor do boletim anual para produções acadêmicas na área de Épica Românica Medieval. É docente efetivo da carreira EBTT no Instituto Federal do Paraná, Campus Astorga.