O Cantar de Mio Cid

O Cantar de Mio Cid é a obra reconhecida como fundadora da literatura castelhana. Está preservada por seu codex unicus, datado do século XIV, que é a cópia de um original perdido, escrito entre 1120 e 1140. São 3738 versos heterométricos, que foram modernamente editados pela primeira vez no século XVI e tem a edição de Ramón Menéndez Pidal como textus receptus do século XX, e a de Alberto Montaner como textus receptus do século XXI, quando o manuscrito foi pela última vez consultado.

Hoje o manuscrito encontra-se em grave estado de deterioração, custodiado pela Biblioteca Nacional de Madrid. Em 2006 o códice passou por análises químicas realizadas pela equipe do laboratório ArtLab S.L., a pedido do Departamiento de Restauración de la Biblioteca Nacional, que identificou a composição das diversas manchas que comprometem a leitura do manuscrito, e que indicou a necessidade de preservação em determinadas condições de temperatura e humidade a fim de que não avance seu estado de deterioração. Posteriormente, a equipe do Laboratório de Restauração da mesma Biblioteca reconstituiu as costuras dos 78 fólios e a encadernação. Desde então, a Biblioteca apenas permite a consulta de pesquisadores a seu arquivo fac-símile em alta resolução.

O projeto Cantar de Mio Cid : Tradução, tradição e oralidade tem por objetivo final a transcrição e tradução do cantar, a fim de apresentar, de forma inédita no Brasil, a primeira edição integral, bilíngue e comentada do cantar.

Prévia da transcrição diplomática do Manuscrito Único de Per Abbat:

Prévia da tradução literal do cantar:

1

Só dos olhos, tão fortemente chorando,

volvia a cabeça e estava tudo olhando;

viu portas abertas e postigos sem cadeados, 

alcândoras vazias, sem peliças e sem trajos

e sem falcões e sem carcarás treinados. 5

Suspirou o meu Cid, ao achar-se assaz preocupado;

falou o meu Cid, tão bem e tão moderado:

Glória a vós, Senhor altíssimo!

A isto me reduziram meus perversos inimigos!

2

A ponto de esporear, ali soltam as rédeas. 10

Ao saírem de Vivar, eis a gralha à direita;

chegando em Burgos, ei-la à sua esquerda.

Meneou meu Cid os ombros e sacudiu a cabeça:

Alvíssaras, Álvaro Fanez, pois expatriados fomos de nossa terra!

Prévia da tradução poética do cantar:

1

Dos seus olhos, forte o pranto,

de esguelha, atrás mirava;

portal aberto, sem aldrava,

cabides calvos, sem as peles,     

sem falcões e sem açores. 5

Suspirou meu Cid, aflito,

ponteou meu Cid, tão cauto:

“ – Glória a vós, Senhor! – orava –   

Mal urdiram-me inimigos.”

2

Pés no estribo, à meia-rédea, 10  

de Vivar a gralha à destra,

à esquerda a escutam em Burgos,

meu Cid treme a testa e os ombros:

“ – Que sorte, Álvaro, nos desterram!”