Dia 5 – De Mecerreyes até Burgo de Osma


A primeira cidade que visitamos no quinto dia de viagem foi Mecerreyes (187 habitantes, INE 2024), ainda na província de Burgos, na comunidade autônoma de Castela e Leão. Segundo conta sua própria tradição, esta seria a terra natal de Fernán González, quem tinha reunido sob seu próprio poder, em 931, vários pequenos condados no que virá a ser o grande condado de Castela, então unificado com a maior extensão territorial como não se veria outro na Espanha – não sem idas e vindas do poder no constante conflito com os muçulmanos. Será seu filho sucessor, no entanto, grande legislador, Garcí Fernandez, quem colocará Castela em sua preponderante posição histórica, ao ampliar o número de cavaleiros de Castela e de fidalgos (fijo dalgo, filho-de-algo) e transformar esses cavaleiros vilãos numa nova classe, a de infanzón, que passam a poder servir com cavalo de guerra – classe a que se enquadra, nosso personagem literário, e também histórico. Nas palavras de Menéndez Pidal, essa reforma dignifica Castela, pois, sem derrocar o alto, eleva o deprimido. Esta, afinal, é também a história de Rodrigo Diaz de Vivar, el Cid Campeador.

Embora não haja registro histórico da presença de Rodrigo Díaz em Mecerreyes, nem há citação desta cidade no cantar, esta é uma passagem provável até Covarrubias. Em qualquer caso, ergue-se ali a maior estátua do Cid que se tem registro, com um total de 7 metros entre base e ponta da lança. Estampam-se, ainda, em seu escudo, os belíssimos versos que narram como, depois de Cid ganhar e se instalar em Alcocer, sua mesnada desbarata o cerco que o rei Tamín de Valência lhe faz, ao ser advertido pelos cidadãos de Calatayud, por temor ao avance do Campeador:

(Envergam os escudos, diante do peito,
apontam as lanças com seus pendões,
enclinaram as caras sobre os arções,
iam feri-los com valentes corações.
Aos berros os chama aquele que em boa hora é nascido:
“Feri-os, cavaleiros, por amor e caridade!
Eu sou Rui Diaz, o Cid, Campeador de Vivar!” (vv. 715-721)
No ano 972, Garcí Fernandez fundou o Infantado de Covarrubias. Hoje, com 505 habitantes (INE 2024), parece ainda uma vila medieval às margens do rio Arlanza. Muito provavelmente, ao cruzá-lo, Cid observou, com a mesma admiração que podemos experimentar ainda hoje, suas imponentes muralhas.



A atual população de apenas 247 habitantes (INE 2024) não reflete o esplendor cultural e artístico que a vila de Santo Domingo de Silos viveu entre os séculos XI e XIII. Cid e Jimena fizeram importantes doações ao seu monastério que, para além de se acreditar numa origem visigótica datada do século VII, o certo é que, sob o domínio de Fernán González, no século X, é quando surge ali uma comunidade monástica beneditina. Em 1041 o prior Domingo (hoje, Santo Domingo) assume o monastério então chamado São Sebastião de Silos, enquanto a construção do claustro tem início em 1080. Ainda hoje em plena atividade, o monastério de Santo Domingo de Silos ostenta em sua portada um imponente exemplar de Sequoia.


Também em Santo Domingo de Silos está uma réplica da espada Tizona do Cid, emulando a circunstância da mítica Excalibur. Faltou-nos, porém, a honra necessária…




Caleruega, com 387 habitantes (INE 2024), é uma vila que surge de um movimento de repovoamento promovido pelos condes castelhanos no século X; exibe uma belíssima estátua equestre do Cid e, à sua direita, a gralha-preta, como sinal de bom agouro.




A ponto de esporear, ali soltam as rédeas.
Ao saírem de Vivar, eis a gralha à direita;
chegando em Burgos, ei-la à sua esquerda.
Meneou meu Cid os ombros e sacudiu a cabeça:
– Alvíssaras, Álvaro Fanez, pois expatriados fomos de nossa terra! (vv. 10-14)
Peñaranda del Duero é uma vila amuralhada, onde, na época do Cid, já existia um castelo, do qual nem ruínas restam, pois foi substituído pelo que ali se ergue, uma fortificação do século XV. Dele tem-se uma bela vista desde a Praça Maior da pacata vila, hoje com 464 habitantes (INE 2024). É declarada Conjunto Histórico Artístico, com suas características arquitetônicas barrocas e renascentistas.

Langa de Duero (716 habitantes, INE 2024) foi a última cidade por que passamos hoje. Seu vínculo com o Cid histórico radica em que, em 1086, quando Afonso VI perdoa Rodrigo Díaz, depois de seu primeiro desterro, em gesto de amor feudal oferece a ele um total de sete fortalezas e suas vilas, entre as quais, Langa de Duero, em posição estratégica e fronteiriça.
Sua emblemática torre, chamada de Castillo del Cubo, ostenta 20 metros de altura sobre um cerro escarpado, e teve a função defensiva da ponte sobre o rio Douro. Sua estrutura, no entanto, data do século XIV, mas certamente ocupa o lugar de uma antiga atalaia islâmica do século X ou XI. São 12 metros de arestas guardadas por um muro de dois metros de espessura. Ainda contava com um sistema de galerias subterrâneas escavadas na pedra, hoje soterradas.


Finalmente, chegamos para pernoitar na belíssima El Burgo de Osma.

2 comentários
Luis ferreira · 25 de maio de 2025 às 14:01
Posto que Maria e Helena fossem movidas por análogo desígnio, jamais se dignaram a convergir seus intentos em comunhão temporal, contingência que, porventura, lhes tenha vedado o acesso à honra excelsa, ápice inefável da dignidade almejada.
Ronald Costa · 26 de maio de 2025 às 08:23
É de se saber que convergimos todos em supra referenciada comunhão temporal. E o inefável, aliás, apresentou-se mais tangível, a cada pueblo visitado, em cada quilômetro percorrido. Daí à dignificação honorífica, não a plantamos no campo fértil da volição, lavrado na Gesta Peregrina com o ars bene vivendi, pois é matéria ligeira, destarte, relegamo-la ao jugo do dito e do mexerico. Um afetuoso e fraterno abraço.
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